quinta-feira, 10 de maio de 2007

OURO PRETO

De volta ao passado recordo minha rua. Que não pode ser retratada sem a menção da rua perpendicular que a cortava.
Em minha rua, famílias estáveis em que pai, mãe, filhos trilhavam caminhos já percorridos por outras gerações.
Na perpendicular, havia uma rua, na qual funcionava a zona - lugar que me inquietava. Existia um ar de mistério, por que ninguém falava a respeito. Fui tomando um conhecimento particular de sua função. Nunca tive a visão do interior dessas casas. Casas com homens no portão, bicicletas estacionadas, músicas apelativas.
Me lembro bem daquelas mulheres que passavam em charretes belas, parecendo carruagens, com seus longos coques, belos vestidos, sapatos altos, sempre perfumadas, passeando pelas ruas. Quando passavam, deixavam alguma coisa no ar, que eu não entendia o que era.
Até quando me lembro, aquilo já não estava em seu auge. Auge que teve até a interferência da igreja e suas beatas. Segundo me contaram, o padre, em procissão com as mulheres, quebraram as casas.escomungando a todos. Mas debaixo dos panos, o negócio ía de vento em polpa. Em declínio, mas funcionando.
Mais tarde, quando apenas algumas casas restaram, tive contato com famílias que tinham filhos bastardos de mulheres recolhidas por homens, para formarem suas famílias. Filhos esses apontados por todos como ilegítimos e despreferidos pelos pais.
Então tive contato com uma dessas casas. Era uma casa, com uma grande sala que dava entrada para um corredor, com quartos alinhados. Cada quarto tinha uma cama de casal, uma penteadeira e um banheiro. Brincávamos pulando nos seus colchões de mola. E eu alí, com poucos anos, tentando entender seu passado velado, que não deixou de me influenciar.
É fato que todos os homens de minha rua freqüentavam ou freqüentaram aquelas casas.
Meu pai, em particular, as freqüentou. Da sua pinga no final da tarde, no boteco da esquina, com desaparecimento abrupto, diante dos meus olhos vigilantes.
Sim, havia aquele buraco negro que engolia os homens e os devolviam sorridentes para suas famílias.
Então, faço a comparação. Me pergunto, se era melhor ou pior que agora. Em que aquela concretude familiar passou a ser bastante maleável, em que, essas mulheres, no seio familiar, são como camaleões, se mesclando no cotidiano vazio de definições.

Um comentário:

enten katsudatsu disse...

Bizé,

Retrato fiel de nossas cidades, do interior de Minas. Retorno a História. Seu escrito me lembrou de uma passagem minha, que vou te contar pessoalmente quando eu for em Brasília. Você vai até rir.
Muito bom seu blog. Go ahead! Make your day!
Beijo.

Cássio Amaral.
Blog: http://sonnen.zip.net