domingo, 13 de maio de 2007

AUTOFALANTES

Julio, meu irmão, companheiro de todas as brincadeiras na infância. Franzino e esperto.
No clube companheiro na natação e volei. No início eu me sobressaía, mas não tardou a me mostrar o quanto era superior. Às vezes fico tentando desvendar outros caminhos que ele seguiu e eu não participei, por que a gente estava sempre junto.
Era apontado por todos como o gênio da família e da rua. Desde muito cedo consertava os eletrônicos, fazia as instalações elétricas das casas que meu pai construia, passou na UnB sem fazer cursinho, montou seu som equalizado e equipou uma discoteca em casa, onde faziamos sons aos sábados depois de bem encerar os tacos e jogar bastante talco, adorava música, fã de kraftwert, caetano e miltom.
A vida nos dá espaços e em algum ponto me vi diante de suas próprias convicções, uma característica sua era a capacidade de chegar ao extremo de tudo. Seu bolo de chocolate feito num ritual de preparo sobre os olhos dos sobrinhos é lembrado até hoje. Que delícia!
Na Universidade se declarou homossexual. Não com palavras, porque ele nunca falou sobre isso com ninguém que eu tenha conhecimento. Não sobre ele. Falava sim do homem em potencial. A sua posição me intrigou muito. É incrível como a gente diante de certas coisas não consegue encontrar o coeficiente comum. A família engoliu aquilo sem digerir, e creio que eu também porque nos padrões de comportamento absorvidos por mim na época não me cabia entendimento.
Se uma pessoa não transa, ela é santa. Se esconde o que faz, é séria. Se ela vai pelo caminho que deseja, então a rotulam.
Aprendeu também a obter o prazer artificialmente. Das drogas ao Rock'n roll rolou de tudo.
Na sua busca solitária ganhou ritmo numa escalada mortal, experimentando todos os conceitos que a vida lhe apresentou.
Dançou nu na frente de nossa casa, indo dormir na prisão em companhia de um livro -Reich, levado por Robson;
Hoje acho que sei da muralha que ele ultrapassou e o quanto se sentiu sozinho do outro lado. Sei de sua coragem, sei da nudez que ele nos apresentou. O rei estava nu. Nu de todas as convenções que quiseram lhe impor.
Só sei que seu caminho foi traçado, e encerrado por ele mesmo. Na sua partida deixou belos poemas sobre Brasília e sobre si, barbeou-se. Na sua despedida, ficou o emblema do sem jeito. Pessoas iam ver e constatar o fato estampado em seu pescoço, que cobri com flores e desamarrei suas mãos. Vejam pois um pássaro com mãos atadas. O que diria Deus?
Sonhei sonhos horríveis com ele, amanhecendo em claro. Porém um dia, um sonho lindo, e último. Acredito que encontrou seu caminho naquele dia.

2 comentários:

Robson disse...

Júlio, nosso cientista maluco, nosso brilhante poeta que escreveu com a vida alem das palavras, o pintor ribeiro abaixo, julinho das longas conversas onde colocava tudo em cheque, aquele que acabava com aula de professor militar no ceub, um grande seguidor um grande mestre, depois de ficar nu vai ler zé ninguem na cadeia e cantar o carcereiro sim sei quem é.

Babi disse...

É ele!!!
O tio Júlio!
Quem???
Aquele que juntamente com os ensinamentos dela, a Bizé, me fez entender que o mundo é sim uma mistura de sensações, sentimentos, desejos. Ah, mas não conte pra ninguém que tá tudo misturado, e que ninguém é santinho de verdade, pois senão como ela mesmo disse, vão te rotular!

Não pensem que ela tinha preconceito, pois foi me levando aos ambientes dele, apresentando seus "amigos", que ela me mostrou que ele era um tio como outro qualquer, ou melhor, um tio mais legal, que fazia bolo de chocolate, e também tinha um amigo que fazia mágicas incríveis com o baralho.

Aprendi com ele, que as pessoas sempre acabam precisando de companhia. Ei to falando de companhia de verdade!!! E descobri que quando elas precisarem, sobrarão poucos que realmente ficarão ao seu lado. Existirão aqueles que iram sugar o resto que sobrou e depois descartar na próxima esquina, no fim, deixarão que você caia no esquecimento para que o sangue não mele a "vida" deles.