sexta-feira, 20 de julho de 2007

TARTARUGA

Um dia veio à nossa casa um garoto com uma Aro 20 querendo se entrosar com a gente. Contando suas mazelas e contatos. Não me lembro de sua fisionomia na época, porque depois que nos conhecemos, ao longo dos anos ele se transformou completamente.
Tudo que escrevo não terá sentido se eu não contar o que nele o fez assim. Ele tinha diabetes infantil. E me disse claramente que não chegaria aos 30, talvez aos 25, chegou aos 27.
Não pense que isso o deixava paranóico, cuidadoso. Isso para ele era um fato que ele ia administrando com um toque especial que só ele tinha. De dietas rígidas passava para rodízios de pizza com muita coca-cola. Depois de verificar o menu de sua casa, caso não lhe agradasse vinha aqui em casa ver se tinha algo melhor. Teve uma fase em que se tornou crente. E acreditou que seria curado. Parou de tomar insulina, converteu sua avó, rezava dia e noite. E um dia, ao ser interpelado sobre a vericidade de sua fé, disse que tinha a melhor Bíblia do mundo: "uma Thompson". O irmão que o interpelava disse que ele não era digno de ter uma Thompson e quis comprá-la, ficando a história para os anais.
Outra característica sua e que a natureza fez questão de demarcar foi que ele mentia muito. Seu aniversário era no dia 1º de abril e não sei se ele acatou a idéia, mas mentia às vezes com uma maestria e às vezes tão descaradamente que me parecia que ele estava zombando do tempo que lhe restava e o queria fazer acontecer à sua maneira.
Ao longo do tempo, foi se entrosando no meio esportivo. Conhecia todos e todos o conheciam. Com toda a sua categoria, tornou-se técnico de dois garotos de Anápolis, filhos de um médico, assumindo o papel como tal.
Participou de duathlons, maratonas, corridas de rua, de ciclismo... Mas sempre com um resultado aquém dos outros participantes. Participava de maratonas, a gente sempre o acompanhava de bicicleta, teve uma que ele calçou todos os tênis de quem chegasse perto dele, um foi o meu, outro do Leandro Macedo. E sempre era o último. Depois de 8 horas, sempre tinha muitos amigos para recebê-lo. Sua chegada era comemorada pelos amigos como se ele fosse o primeiro.
Como ciclista, se tornou o lendário Tartaruga Ninja, Tartaruga, Tarta, Ninja. Conseguiu esse apelido numa competição no velódromo em que usava um capacete como o dos Tartarugas Ninja. E na largada foi tão lento que chamou a atenção de todos. Sendo ali chamado de Tartaruga Ninja. A partir daí, acatou o apelido. E se entrosou definitivamente no meio ciclístico, passando a ter os melhores equipamentos. Não tinha o ritmo, mas tinha uma postura magnífica na bicicleta. Todos os ciclistas têm uma história sobre ele, basta perguntar.
De família humilde, cercado por quatro mulheres solitárias, para elas ele era tido com um rei. Ficavam ao seu lado como gueixas, lhe satisfazendo os desejos.
Depois de passar no concurso do bombeiro para paramédico, seu sonho de criança, resolveu fazer uma operação nos olhos, mesmo sabendo dos riscos por ser diabético. Queria deixar de usar óculos. Mais tarde foi tendo derrames nos olhos e perdendo a visão aos poucos. Teve um derrame, indo para uma cadeira de rodas, passando a fazer hemodiálise e vimos como num teatro a falência gradativa de seu corpo. No seu enterrro,18/04/1999 cantei Canção da América, deixando ali meu amigo Tartaruga, que, com certeza, será uma boa companhia do outro lado.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

SILVÂNIA

Quem são os alienados?
Os habitantes das grandes cidades ou os habitantes das cidades do interior? Bom vamos contar a história do começo. Depois do convite de ir a sua cidade natal, feita por Salomão Sousa nos dirigimos a Silvânia,cidade em questão. Fomos com nossas bagagens, tanto as materiais como aquela de que "meus ombros sustentam o mundo", que de certa forma quer dizer que estávamos um tanto sem expectativa quanto a viagem, ou pelo menos eu estava.Porém fui surpreendida tantas e tantas vezes que me deu vontade de registrar pelo menos algumas. Fiquei encantada primeiro pela hospitalidade de todos e principalmente por Salomão e Chiquinha que trouxeram para Silvânia todo o acontecimento preparado e calculado nas menores coisas todas direcionadas a seus convidados. Sua família aos poucos conseguiu criar com todos os visitantes um ambiente totalmente descontraído. É muito bom conversar com pessoas que estão com você por inteiro, as partes se soltam por completo num momento mágico. E ali de um dia para o outro éramos uma grande turma de adolescentes. Naquela cidade que tinha um parque, ex-colégio Marista, com estradas cercadas por lagos, palmeiras e árvores frutíferas, eugênias, jambo, criando sombras com um tapete de flores róseas que se tornavam um convite irresistível a uma caminhada contemplativa. Ali conheci Zezinho e esposa, Rosa, Toninho ,Bete, Sansão, a mãe de Salomão que não se entregou a idade, fazendo lindas colchas de retalhos,pão de queijo,e cuidado do anjo Gabriel e muitos outros conheci. A cidade evidencia a marca do tempo, com igrejas e casarios marcantes, os não recuperados marcam mais ainda, ao lado de construções atuais. Ao mesmo tempo nas ruas você encontra pessoas que mantêm os costumes antigos nas roupas e no cigarro de palha, diante de carrões com sons estridentes de uma juventude pra mim alienada, sendo essa a sua forma de se integrar no cotidiano. Mas creio que o que os rodeia está dentro deles, mas do que dentro de mim que ali de passagem me soltei um pouquinho, porém para eles o seu cotidiano renegado ou não, os contagia para que num futuro de busca voltem aos antepassados, como uma forma de reencontro com si mesmos. Isto foi o que senti no lançamento do livro de Salomão junto a sua cidade. Um reencontro do passado com o presente indo em busca ao futuro. Ali Salomão como que agradeceu, como eu o agradeço pois fiquei marcada com coisas muito boas neste meu coro duro e ressecado de uma urbanoide alienada pela pressa da cidade que nos consome. Mais uma vez obrigado.